Acompanhem o emocionante depoimento de Viviani Mattos, uma mulher linda, guerreira e vitoriosa!
Minha adorável vida de
Ostomizada
Aceitação
é um processo pelo qual você precisa passar. A aceitação de si mesma, das suas
condições e do seu estilo de vida. As pessoas ao seu redor só precisam te amar
pelo que é, e pelo o que conquista a cada dia, e isso só depende de você.
Quero contar
a vocês a história de uma menina recém nascida que chegou a esse mundo com o
seu destino traçado. Ela veio ao mundo para aprender a viver, e ensinar a vida
àqueles que ainda não aprenderam. Essa garotinha sou eu.
Nasci em
12 de junho de 1986, com uma má formação congênita no aparelho digestivo. Aos dois
dias de vida, fui submetida à cirurgia de Ileostomia, e ainda assim, desenganada
pelos médicos, que disseram á minha mãe que não ficasse se apegando á mim, pois
as chances de sobreviver eram quase zero, e que mesmo que eu sobrevivesse, a
qualidade de vida que poderia ter seria péssima, pois além da Ostomia, minha
estrutura óssea teria sido afetada, e no futuro, isso poderia me causar grandes
problemas, como por exemplo, andar curvada e com dores extremas na coluna. Nesse
caso, talvez morrer, fosse a melhor solução. E graças a esse "quase",
estou aqui contando a minha história ao mundo.
Após 45
dias de internação, finalmente, fui pra casa. Foram necessárias apenas algumas trocas
de fralda para que minha mãe percebesse que existia algo de errado comigo, me
levou ao médico novamente e teve a notícia de que, além da ileostomia e da má
formação na coluna, eu também sofria uma Incontinência Urinária, e usaria
fraldas não só enquanto bebê, mas a minha vida inteira.
Confusa,
minha mãe já não sabia mais o que fazer. Procurou por médicos, no decorrer dos
meus primeiros anos, em busca de uma correção e melhoria na minha qualidade de vida,
mas não obteve sucesso. Enquanto criança nada afetaria a minha vida, mas e depois
de adulta? Como conseguiria enfrentar a vida nessas condições? E quanto aos
preconceitos, a escola, as amizades, o trabalho, e até mesmo o namoro? Será que
tudo isso seria possível? Claro que seria!
Naquela
época meus pais não conheciam a bolsa de colostomia, eram necessários curativos
constantes para que minha pele não sofresse com a acidez das fezes e urina. Mesmo
assim, ela vivia em carne viva. Lembro-me perfeitamente de todos os acessórios
e produtos que minha mãe usava a cada troca de fraldas, que ainda eram de pano.
As roupas? Eram as mais confortáveis possíveis. Mas tudo muda quando crescemos,
queremos andar na moda, vestir calças mais apertadas, blusinhas e etc.
Minha
infância foi um pouco difícil, diante do preconceito que sofria das minhas
primas, que não queriam brincar comigo por acharem que eu era diferente delas.
Minhas tias brigavam com elas e diziam que não existia nada de diferente. Mas
de nada adiantava, eram apenas crianças.
Quando
fui pra escola agi e fui tratada como uma criança normal, claro que os professores
sabiam da minha condição, mas minha mãe nunca deixou que me vissem como uma
"coitadinha", pois sempre fiz tudo o que meus dois irmãos faziam. Em
casa sempre fui tratada igualmente, o amor sempre foi incondicional pelos 3
filhos, e as broncas também. A ostomia nunca me impediu de aprontar.
Aos 7
anos meu pai descobriu que existia bolsa de colostomia, e que poderiam me
ajudar. Eu não queria usá-las, eram estranhas, emborrachadas e ficavam presas na
perna. Eu era pequena, e aquilo era enorme. Eu não queria trocar os curativos pela
bolsa, como conseguiria usar shorts com aquilo? Meu pai me deu um desconto na época
e continuou sua busca por algo que pudesse melhorar a minha qualidade de vida.
Aos 9
anos conhecemos a AOESP, Associação de Ostomizados do Estado de São Paulo, onde
conheci a bolsa de colostomia (mais conhecia como "bolsa de caraia")
mais adequada ao meu tipo de necessidade. Ela me ajudou muito e vem me ajudando
até hoje, minha pele não vive mais em carne viva. E desde que comecei a usar, eu
mesma faço as manutenções.
Na adolescência
meus pais tiveram as mesmas preocupações que qualquer pai ou mãe teriam por
seus filhos. Aos 13 anos de idade, estava na sexta série e, por descuido meu,
alguns colegas de classe viram a minha fralda e começaram a zombar de mim, era final
de ano e faltava pouco para acabarem as aulas, cheguei a implorar para meu pai
e minha mãe que me tirassem da escola pois não queria mais estudar lá.
Terminei
o ano e fui para outra escola, dessa vez na rua de casa, onde tive a chance de
conhecer pessoas incríveis como a Val, minha melhor amiga. Lá, tomei muito mais
cuidado com os acidentes que poderiam acontecer, não queria ter que mudar de escola
novamente.
No mesmo
ano comecei a sentir fortes dores na barriga, era a chegada da menstruação, e
junto com ela, mais uma surpresa: Descobri que não havia passagem para saída da
menstruação, e que teria que tirar o útero, lá se vai o sonho de ser mãe. ERRADO,
entrei em choque no começo, mas depois passei a entender a situação, e mãe eu
nunca desistiria de ser, afinal, há tantas crianças nesse mundo precisando de mãe,
no tempo certo eu conhecerei a minha.
Engraçado
como Deus traça o nosso destino, embora nos permita viver em condições um pouco
mais difíceis, nos presenteia com anjos para caminhar ao nosso lado
independente do clima que enfrentamos lá fora, e foi assim com a Val, que sempre
esteve comigo nos momentos mais incríveis e mais difíceis também. Somos até hoje
como metade uma da outra.
A escola
acabou, e tive que aprender a enfrentar o mundo sozinha, encarar a vida,
mostrar o meu verdadeiro valor, para que fosse realmente valorizada. Comecei a trabalhar
e a sair a noite pra me divertir, sempre precavida de acidente com a bolsa. Frequentei
festas, baladas, e em uma dessas formas de diversão, conheci outro anjo. O Tato,
que logo se transformou em namorado, meu primeiro namorado.
Era uma
nova vida, agora eu compartilhava a minha história com alguém que, possivelmente,
viveria essa história comigo pro resto da vida. No começo tive medo de dizer a
verdade sobre o que eu tinha e acabar perdendo ele, mas se fosse embora, não
era o melhor pra mim. Não tive coragem de falar frente a frente e então decidi escrever,
contei a minha história para que ele entendesse o que eu passei durante todos esses
anos e o que eu esperava dele. Deixei-o escolher o que era melhor pra sua vida,
pois só enfrentam uma vida assim, as pessoas realmente fortes. Ele foi alguém
que me mostrou o quanto tenho valor, e o quanto posso ser amada.
Nossa
relação foi de amor incondicional, sempre ouvia dele o quanto eu era linda e o quanto
ele me amava. Isso me deixava forte para enfrentar qualquer obstáculo, pois
sabia que ele sempre estaria comigo. Ele tinha um cuidado extremo comigo, uma
preocupação gigante com o meu bem estar, sempre me ligava pra saber se estava
tudo bem, se eu estava me cuidando e me alimentando direito, quase como um pai.
Aos 22
anos, em uma das vezes que fiquei internada por uma dor abdominal, conheci um
médico Urologista chamado Flávio Haruyo Lizuka, que soube da minha história e
me propôs uma correção do problema da Incontinência Urinária, onde eu deixaria
de usar fraldas. Foram dias de estudo até que, finalmente, surge uma melhor maneira
de corrigir. No dia 17 de setembro de 2008 fui levada ao centro cirúrgico para
a correção. A cirurgia durou cerca de oito horas. Do lado de fora, minha mãe e
meu namorado a espera de alguma resposta do médico em relação ao meu estado. As
portas abriam e fechavam, nada de terminar a cirurgia. Ás 22 h., saí do Centro
Cirúrgico e a única coisa que me lembro era da Val me dizendo "Oi
maninha" e meu namorado me dizendo "Oi" também. Ele ficou o
tempo inteiro ao lado da minha mãe me esperando. Entrei com esperanças de uma
nova vida, e saí de lá uma nova mulher.
Ainda
no hospital, no dia seguinte, não acreditava que estava sequinha, que não existia
mais fralda, que eu estava bem. Ao colocar pela primeira vez uma calcinha, me emocionei,
e pude ver que tudo na vida é possível, basta acreditar e querer mudar.
Saí de
lá com algumas restrições de alimentos e recomendações do médico, que por teimosia,
não segui nenhuma. Isso me resultou em algumas infecções e um quadro de
Septcemia, (infecção muitas vezes fatal) me levando diretamente para UTI.
Meu
amor pela vida sempre foi grande, e não seria agora que consegui realizar mais um
sonho, que desistiria de lutar. Voltei pra casa após 6 dias de internação e
passei a me cuidar mais.
Desde a
adolescência, sempre gostei de me vestir bem, e com as roupas de praia não seriam
diferentes. Foi quando conversando com uma de minhas primas, Vivian, soube que
existiam os maiôs engana mamãe, (maiô na frente e biquíni atrás), mas eram
muito difíceis de achar, as lojas que encontrei só vendiam maiôs clássicos. Foi
aí que tive a ideia de desenhar meus próprios maiôs, fiz o primeiro e adorei,
era azul manchado com verde e super moderno. Então comecei a desenhar vários,
tive várias ideias, adaptei os mais lindos biquínis para maiôs que atendessem
as minhas necessidades. Não podiam marcar, teriam que ser sempre estampados ou
com um detalhe diferente na altura da barriga, para não transparecer o volume
da bolsa. Foi um sucesso nas praias, várias pessoas olhavam e algumas até me perguntavam
se era maiô ou biquíni.
Em 2009
comecei a faculdade de Ciências Contábeis e nunca mais reclamei da vida. Tenho
orgulho de dizer que passei por tudo isso com muita fé e esperança, e hoje, o
que eu quero, é mostrar á vocês o quanto a vida pode ser adorável, quem comanda
ela é você. Você decide qual a cor da sua história. Eu escolhi a minha.