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segunda-feira, 30 de abril de 2012

Passos de um vencedor

Matéria publicada pela APO Associação Paranaense dos Ostomizados, em abril de 2012.

ESPECIAL: Passos de um vencedor

Colostomizado desde o final de 2010, Alessandro Calvete Nuñez, de 39 anos, encontrou no esporte a força e disciplina para adaptar sua vida após a cirurgia. Natural de Porto Alegre, mas morando em Curitiba desde os seis meses de idade, o engenheiro e eletricista dedica boa parte do seu tempo a treinamentos e competições de triathlon, modalidade esportiva que combina natação, corrida e ciclismo. No início de março (4), o atleta participou pela primeira vez como ostomizado da do Sesc Triathlon Circuito Nacional, etapa Caiobá, a mais tradicional prova da modalidade no Brasil.

Por Gabriel Sestrem


Como foi o impacto após a cirurgia da ostomia? 
Quando soube foi um baque, mas a partir desse momento tentei buscar entender do negócio. Fui atrás, busquei conhecimento, descobri muitas coisas. No tempo pré-operatório, estava na internet bus­cando saber mais e achar soluções para essa nova condição, o que me ajudou muito. Descobri atletas de outros países que são ostomizados e me inspirei neles. A internet é uma boa dica para os ostomizados encontrarem conhecimento e inspiração em pessoas que venceram a ostomia e outras complicações.


Hoje você consegue levar uma vida normal? 
Eu adaptei minha vida. Ela ficou normal, mas tive que adaptá-la. O segredo é não se entregar, mas é preciso repensar uma série de coi­sas para viver da melhor maneira possível. Quanto ao meu dia a dia, se eu for fazer irrigação, por exemplo, ela me toma uma hora e meia. Então achei um horário melhor para não prejudicar as outras atividades. Se eu tiver que sair, preci­so me adaptar. Se precisar treinar cedo, acordo de madrugada para dar conta de tudo. Quando voltei a nadar, por exemplo, precisei de uma adaptação, fiz um cinto e quando vou praticar esportes ou vou para a praia, uso o obturador (pequena tampa para os estomas). 
Tem tantas outras limitações que necessitam de muito mais cuidados, que com força de vontade é possível superar muita coisa. Só não pode se incomodar com o que os outros estão pensando.























Alessandro com a esposa Ana Paula, filha
Kauana (de capacete) e sobrinha

Quais os cuidados na alimentação? 
Busco conhecer os alimentos que estimulam ou não o intestino. Eu não deixo de comer o que gosto, mas não toda hora como antiga­mente. Alguns alimentos prendem mais o intestino, outro não.       

Lembra de algum fato marcante no curto período de colostomiza­do? 
Recordo uma vez que tive que me preparar para uma prova do Metropolitano de Mountain Bike na cidade de Balsa Nova-PR. Como é uma prova longa, é necessário alimentação e hidratação adequa­da antes e durante a prova para aguentar. O percurso era difícil, tinha muitas subidas e montanhas. Precisei comer muitas coisas durante a prova e, como fazia poucos meses da cirurgia, não sabia como iria reagir. Não estava de obturador, estava de bolsa. Durante a prova, um amigo precisou ir ao banheiro, e como não havia banheiro no lugar, foi no mato mesmo. Ao final da prova, ainda na euforia, gritei para ele que se me desse uma dor de barriga, não precisaria ir no mato, eu tinha meus próprios meios. (risos) Outro fato marcante foi na Volta Ciclística das Nascentes, competição em equipe que disputei com mais dois amigos, na qual conquistamos o quarto lugar. Foi a primeira conquista três meses depois da cirurgia.


Existe algum preconceito com a condição de ostomizado? 
Não senti nenhum preconcei­to. Tenho um ciclo de amizades muito bom. Tudo o que fazíamos, continuamos fazendo. As pessoas até esquecem que uso uma bolsa. A disciplina do esporte me ajudou a entender minha nova condição e hoje tiro de letra. Não saio divulgando para todo mundo. As pessoas próximas sabem que sou ostomizado, mas não vejo nenhum problema em esconder. 
Percebo que o preconceito vem do próprio ostomizado. Eu não sofro preconceito porque não tenho preconceito comigo. Nunca fui a um lugar que me tratassem mal. Hoje o cidadão é consciente.


Como você vê os portadores de ostomia? 
Faz pouco tempo que sou osto­mizado e não conheço um grande número de portadores de ostomia. Mas no que vejo na internet, nas conversas, vejo que muitos são fechados, retraídos, desanimados e sem força para lutar. Não é porque trocamos um órgão de lugar que vamos nos entregar. 
Há uns dias estava dirigindo e comecei a observar um cego enfren­tando o trânsito. A situação dele é muito pior que a minha, mas ele estava enfrentando. Tenho amigos paraplégicos que viajam, vão para todos os lugares, fazem tudo, não ficam em casa desanimados.


Como o esporte começou a fazer parte da sua vida? 
Sou amante do esporte. Como esportista amador sempre tive mi­nha rotina de trabalho, mas fiz na­tação, academia, surfe e uma série de esportes. Por incentivo de um amigo, há seis anos, comecei a fa­zer algumas provas de triathlon, me envolvi com alguns colegas que já praticavam e comecei a fazer algumas provas curtas. Em pouco tempo comecei a competir em ca­tegorias amadoras. Hoje faço triathlon normal (short), que são dis­tâncias curtas. Antes de descobrir que estava doente, ia começar a fazer Iron Man, que é uma modali­dade do triathlon de longas distân­cias. Minha meta agora é começar esta modalidade em 2014.


Hoje você compete em que ca­tegoria? 
Sempre pelas categorias amado­ras e em minha faixa etária. Comecei correndo na categoria 30 a 34 anos e hoje estou na categoria 34 a 39.

Como foi a prova em Caiobá? 
O Sesc Triathlon - Circuito Na­cional de Caiobá - é um short tria­thlon, no qual foram percorridos 750 metros a nado, 20 quilômetros de bicicleta e cinco quilômetros de corrida. Já havia feito cinco edições da prova. Só falhei no ano passado, quando estava no período de tratamento da ostomia. Agora, no meu retorno, na minha concepção fui muito bem pois venci minha nova limitação, ainda que, em termos de tempo e colocação, não tenha sido o que esperava. De 1.033 atletas, alcancei o 470º lugar. 
Vejo que o retorno, com a carga pesada do tratamento que passei e a nova condição de ostomizado, não poderia ter sido melhor. Rever os amigos, participar da prova e completá-la debaixo daquele calor que estava foi muito prazeroso. 
Vale lembrar que a Coloplast me ajudou com a inscrição na pro­va e hospedagem. Numa quarta­feira, encontrei o pessoal na sede da APO, falei que ia participar da competição, pedi uma ajuda e eles aceitaram. Competi com a logo­marca da Coloplast no meu maca­quinho, que foi adaptado para usar com a bolsa e com o obturador.


sexta-feira, 20 de abril de 2012

Depoimento de Damaris Morais

Acompanhe a seguir um lindo e emocionante depoimento de Damaris.


Meu nome é Damaris, tenho 47 anos e vivo no coração do Brasil.
Moro na cidade de Goiânia, capital do estado de Goiás, cidade com mais de um milhão de habitantes, e mais de mil ostomizados. Muito linda minha cidade.
Era uma vez... uma garota de 20 anos. É faz um tempão já.
Bem... tive meu primeiro sintoma de retocolite aos 20 anos. Coisa à toa, sangue nas fezes, sem diarréia, sem dor. Raro foi ter o diagnóstico imediato: retocolite. 3 semanas depois não tinha mais sintomas, 6 meses depois tive alta. Só não sabia que eu não estava curada, mas somente em remissão. O que foi bom, porque passei 7 anos sem sintomas e, portanto, sem preocupação. Quando engravidei comecei a sangrar de novo. Usei pouca medicação por causa da gravidez, mas fiquei bem. Tive uma gravidez perfeita, um filho perfeito. Quando ele estava com 9 meses e eu já havia voltado a trabalhar, tive minha primeira crise grave. Mas não aceitei fazer o tratamento indicado porque não queria deixar de amamentar. Só que muitas vezes amamentava meu filho no vaso sanitário. Fui piorando. 1 ano depois eu já tinha perdido peso demais, estava fraca demais e o médico me disse sério que era melhor que meu filho tomasse mamadeira da minha mão do que ficar sem mãe para dar peito ou mamadeira. Então comecei o tratamento e melhorei. Por pouco tempo, logo tive outra crise grave. O médico me falou sobre ostomia. Não quis nem encompridar a conversa. É temporário, ele insistiu. Vou sarar, eu respondi. E eu tentei. Tentei tudo que ele mandou, tudo que me ensinaram, todas as medicinas: alopatia, homeopatia, fitoterapia, terapia, um tipo de hipnose, psiquiatria. O psiquiatra disse que eu não tinha nenhum sintoma que ele pudesse tratar: não era depressiva, não sofria de ansiedade, não tinha problemas para dormir... a não ser a diarréia é claro. Mas essa, não era ele que tratava. Eu trabalhava 7, 8 meses durante as melhoras e tinha outra crise que me obrigava a entrar de licença.
Lembro-me de um feriado de carnaval. Eu adoro viajar, mesmo doente eu viajava o máximo que podia. Meu médico sempre dizia: mas e se você sangrar durante a viagem? Eu replicava: melhor me divertindo do que esperando por isso. Hoje eu sei que ele não falava de simples sangramento retal, mas de algo mais grave, que graças a Deus nunca aconteceu. Nesse carnaval eu estava muito mal. Tão mal que meu marido viajou para casa de parentes com meu filho que tinha pouco mais de três anos e eu tive que ficar. Ficar numa cama bem perto do banheiro. Naquele sábado de carnaval, pela primeira vez senti realmente inveja de alguém. Eu vi na televisão várias pessoas pulando carnaval e eu invejei a saúde delas. Eu não queria pular carnaval, eu só queria cuidar do meu filho, e nem isso eu conseguia mais. Depois melhorei. Prestei concurso para professora, passei, estava numa fase ótima. Trabalhava em duas escolas, fui aos EUA fazer um curso rápido. 1 ano depois tive outra crise grave. Não pude entrar de licença no serviço público porque ainda estava em estágio probatório, perdi meu emprego e ainda fui chamada a dar explicações, eu e meu médico, sobre como uma pessoa com uma doença crônica assume um cargo público. Eu naquela época não sabia lutar pelos meus direitos, não tinha conhecido a Cândida Carvalheira ainda, e pedi exoneração.
Novamente o médico me falou sobre ostomia, novamente eu prometi melhorar. Tentei, gastei dinheiro que não tínhamos nesses anos de tratamento, mas as crises se tornaram mais longas que as remissões. Passei a dormir no banheiro, num edredom, pois eu tinha mais diarréia à noite, não valia a pena voltar para cama.
Houve um dia muito triste para mim, foi quando eu estava passeando perto de casa com meu filho e vi que ia ter diarréia. Estava tão acostumada com isso que entrei na primeira lojinha que vi e pedi para usar o banheiro. Eu ia a qualquer banheiro: posto de gasolina, oficina mecânica, feminino, masculino, limpo, sujo, mas esse tinha algo diferente: tinha um espelho grande quebrado num canto em frente ao vaso. Meu filho como de costume entrava comigo, eu nunca o deixava do lado de fora com medo de que ele se afastasse ou alguém o levasse. Vi meu filho no reflexo do espelho, me mostrando um bichinho de plástico. Daí vi o meu reflexo. Fiquei chocada, foi a primeira vez que vi meu rosto se contorcer de dor, todas as veias do meu rosto ficaram inchadas quando veio a cólica, a cólica que vinha antes do sangramento. Era esse rosto que meu filho via todos os dias, várias vezes por dia. Eu precisava fazer alguma coisa. Mas usar bolsa? Eu não conseguia imaginar que teria vida usando bolsa de colostomia e eu pensava, por que tanto sofrimento? Eu não sabia ainda, mas estava em treinamento. Estava sendo treinada para entender a dor dos outros, de uma forma bem eficaz: com a minha dor.
Em 2000 piorei muito, fui internada, fiz mais uma de várias colonoscopias, a pior de toda a minha vida. Eu estava muito fraca, pressão sempre baixa, não podia tomar nada forte para dor. Quando o exame terminou eu disse para minha irmã: diga ao meu médico que ele pode tirar meu intestino todinho e jogar no lixo, porque eu nunca mais na minha vida faço outra colono. Mas a essa altura meu médico já tinha decidido pela cirurgia, já tinha ligado para meu marido e para minha mãe. Não tinha mais jeito. Quando eu pensei que decidi, já havia sido decidido. Só que aí eu não tinha mais condições físicas para ser operada: coagulação, pressão, tudo alterado. O médico decidiu esperar, fui para casa.   Tomei muitas injeções de vitamina k. Já não saia da cama nem para ir ao banheiro, usava fralda, não conseguia dormir de dor, não enxergava direito, não conseguia me concentrar em nada, nem TV, nem livro ou revista. Meu pensamento ficou errático. Emagreci tanto que até o timbre da minha voz mudou, pesava 33 quilos nessa época.  Eu não tinha lugar. Finalmente o médico disse que íamos fazer a cirurgia, que correu maravilhosamente bem. Minha ostomia era perfeita e linda, mas eu não achava nada disso na época...
Em 5 dias saí do hospital! Tudo correndo bem com a cirurgia. Tinha muita cólica quando comia, não queria comer. Vomitava muito. Chorava todos os dias, no final do dia. Entrei em depressão. Uma estomaterapeuta foi à minha casa me ensinar a trocar a bolsa, estava tudo certo. Eu só chorava. Um psicólogo foi me tratar em casa, não adiantou. Eu disse para minha irmã: olha, eu estou muito chata, nem eu estou me agüentando, eu não sou assim, me leve a um psiquiatra, preciso de remédio. E assim foi. Ela me levou a um psiquiatra de quem graças a Deus eu não lembro nome e ele me disse: você usa bolsa de colostomia? Tem razão para estar deprimida, vai usar antidepressivos o resto da vida! Tenho que admitir que apesar de ser um ignorante a respeito de ostomia, ele acertou com o remédio, em 10 dias eu era outra pessoa, ou melhor, eu voltava a ser eu mesma. Os comprimidos acabaram, eu nunca mais vi esse médico e nesses dias tinha acontecido uma coisa muito boa na minha vida, aliás várias:
Eu não sentia mais dor. Eu não tinha mais diarréia. Eu podia comer chocolate. Eu podia tomar leite. Eu dormia a noite inteira. E eu fui à Associação de Ostomizados da minha cidade. Lá, as coisas realmente começaram a se encaixar. A enfermeira que me recebeu foi logo dizendo: que tal vestir uma roupa mais bonitinha? Eu estava de camisetão e a bolsa pendurada por cima de uma calça baixa. E eu os vi: tantos ostomizados e ostomizadas. Jovens, velhos, crianças. Rindo, trabalhando, trocando idéias sobre como disfarçar a bolsa, sobre como namorar de bolsa, sobre viver. Eu tinha encontrado dezenas de respostas, para perguntas que já havia feito e para muitas outras que eu nem sabia que faria. Eu queria aprender tudo, sempre gostei de aprender e como sou professora, não sei aprender sem ensinar. Assim, 6 meses depois comecei a trabalhar como voluntária na associação, um ano depois fizemos a Cartilha da Mulher, que já está na 5 ª edição impressa e disponível na internet. Comecei a participar de congressos mundiais de ostomizados, representando o Brasil, falar Inglês me ajudou muito nisso.
Também trabalho com adolescentes na minha igreja, atividade que me mantém atualizada e em forma, haja fôlego para acompanhar essa turma! Faço palestras em faculdades e cursos técnicos de enfermagem sobre o que o ostomizado espera desse profissional. Dou aula de Inglês Instrumental, mas prefiro mesmo é ensinar um ostomizados a conviver com a bolsa. Envolvi-me com a luta pelos direitos dos ostomizados, colaborando com a Associação Brasileira de Ostomizados - ABRASO, e desde então faço parte da diretoria da minha associação estadual. Há quase 10 anos decidi ser visitadora por causa de um comentário que a esposa de um associado fez para mim. Ela disse: se meu marido tivesse conhecido vocês há um ano, talvez não estivesse morrendo. Eu perguntei: por quê? Ela respondeu que quando o médico disse ao marido dela que ele teria uma colostomia definitiva por causa de um câncer retal ele simplesmente sumiu do hospital porque disse que preferia morrer a usar uma bolsa de fezes pregada na barriga. Só voltou ao hospital um ano depois quando já era tarde. Eu pensei, talvez haja como alcançar os futuros ostomizados, ou os novatos logo depois da cirurgia para fazer orientação e encaminhá-los para a associação. Fiz o curso no Hospital do Câncer da minha cidade porque é onde consigo visitar o maior número de ostomizados em menos tempo. Há quase dois anos a equipe de cirurgia do aparelho digestivo deste hospital me convidou para fazer a visita médica com eles. Lá eles me indicam os ostomizados e eu já fico sabendo pela apresentação do caso se a ostomia será temporária, se é um paciente terminal ou inoperável, enfim, volto depois para minha visita já com várias informações. Aí converso com o paciente sobre o que realmente interessa: a bolsa.
Das dezenas de pacientes que atendi lá, de duas jamais me esquecerei: uma foi uma senhora muito simples, moradora da zona rural, que na mesa de cirurgia disse para o médico que não ia fazer essa operação de por bolsinha de jeito nenhum. Desceram com ela do centro cirúrgico e me chamaram. Conversamos pouco, eu perguntei por que ela não queria colocar a bolsa, ela disse que isso era tudo muito complicado. Disse a ela que eu já usava a bolsa há um tempão. Ela quis ver. Não entendeu. Fui ao banheiro com ela e fiz a higiene da bolsa para que ela visse, mostrei o ostoma. Ela me disse então: “É só isso fia? Então vamo fazê essa tar de operação logo, acho que dô conta de lida com essa borsa, ocê disse que eu ganho as borsa do governo?” Deu tudo certo na cirurgia dela.
Outra de quem não me esqueço, pois estava muito triste, era muito vaidosa, achava que nunca mais ia poder usar uma roupa bonita ou se despir para o marido. Ao final da visita, já sorrindo fez uma ligação na minha frente para a filha que estava em casa e disse assim: “Filha, vá até o armário da cozinha, embaixo da pia, pegue o vidro de veneno de rato e jogue fora. Não vou mais precisar beber isso, quero viver”.
No início da visita não digo que sou ostomizada, só ouço o que o paciente acha dessa situação. Depois conto, e geralmente mostro a bolsa, porque eles não acreditam. Aí sim, eles estão prontos para me ouvir. Porque não há profissional, por mais que saiba, por mais que se importe com um paciente, que tenha a autoridade para falar sobre o que é usar uma bolsa, como outro ostomizado tem. E eles sabem disso. Pra mim eles não podem dizer assim: “você diz que é fácil porque não é com você, queria ver se fosse com você...”, que é o que eles às vezes dizem para os profissionais que querem fazê-los acreditar que podem ter uma vida normal. Eu não digo a eles que podem ter uma vida normal. Eu mostro a eles que eu tenho uma vida normal. Tenho uma necessidade especial, luto por ela, não me envergonho dela. E sou feliz. Sou abençoada.  Quando Deus permitiu que eu sobrevivesse, que me tornasse uma ostomizada, tinha um propósito para isso. Cada um tem que descobrir o propósito que Deus tem para sua vida e que com certeza não é ficar se lamentando. Quando me perguntam como eu disfarço a bolsa, eu ensino. Quando me perguntam sobre a minha vida sexual eu digo que melhorou muito, eu vivia doente, tinha que interromper uma relação sexual para correr para o banheiro. Hoje vou ao banheiro antes de fazer amor e, boa noite, até amanhã! Claro que a aceitação imediata do meu marido à minha condição me ajudou imensamente, na verdade ele aceitou minha ostomia antes de mim.
Minha paixão é trabalhar como visitadora, mas não adianta trabalhar com os ostomizados se eles não têm acesso às bolsas, se as cirurgias não são bem feitas, se o preconceito ainda existe. Então há trabalho em todas essas frentes: cobrando do governo leis que nos amparem, defendendo nossos direitos já adquiridos, conscientizando os cirurgiões da importância de uma cirurgia bem feita, mostrando nossa cara e às vezes nossa ostomia para a sociedade. O preconceito que eu tive por tantos anos era fruto da minha ignorância sobre o que é essa cirurgia.
Atualmente posso reverter minha ostomia, na verdade quando fiz 7 anos de ostomizada o médico me disse, agora dá para fechar. Eu disse: fechar? E se não der certo? E se eu ficar incontinente? E se eu precisar ir ao banheiro 4, 5 vezes por dia? Com pressa? Como vou pedalar com minha turma por 4 horas? Ninguém vai me esperar ir ao banheiro, eu prefiro minha bolsinha. Ele disse: isso tudo pode acontecer mesmo, ou não. Ele não insiste comigo, sabe que sofro hoje em dia da síndrome do excesso de informação: já vi ostomias demais, complicações demais. E para comemorar que estava ótima, eu decidi fazer uma tatuagem na minha cicatriz, que ficou linda..
O tatuador disse assim: talvez não dê para cobrir sua cicatriz totalmente. Eu disse a ele, não tem importância, eu me orgulho muito dessa cicatriz, me foi muito útil, só quero enfeitá-la. E assim ele fez, dizendo que nunca tinha ouvindo ninguém dizer que se orgulhava de uma cicatriz. Mas essa é especial, é um recado de Deus no meu abdômen, dizendo assim: - Seja feliz minha filha, e também: - Eu tenho muito trabalho para você!
Hoje, 12 anos depois da ostomia, estou cada dia mais forte e mais saudável. Certa de que o propósito de Deus para minha vida era que eu fosse uma ostomizada e através dessa experiência ajudasse muitas pessoas.


“Tudo quanto fizerem, façam de todo o coração, como para o Senhor, e não para homens” (apóstolo Paulo)

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Ostomia e viagem


Christiane e Cláudia Yamada

Muitas vezes, uma pessoa após ficar ostomizada fica com medo de se divertir, e acaba deixando de aproveitar a vida, porém, após a liberação médica, uma pessoa ostomizada pode e deve passear, viajar..., sempre que desejar e/ou precisar, utilizando todos os meios de transportes habituais (carro, ônibus, avião).

Todos os tipos de viagem são possíveis para uma pessoa ostomizada, incluindo cruzeiros e viagens aéreas ao redor do mundo.

Durante a viagem, o ostomizado, como qualquer outra pessoa, deve usar o cinto de segurança, ajustando a sua posição, confortavelmente, e tomando cuidado, para que ele não comprima o estoma.

Sempre que for viajar, ou se ausentar por um período, o ostomizado deve levar quantidade suficiente de material, para durar toda a viagem, e mais alguns extras, ou seja, uma quantidade superior ao que se gastaria em casa. Quantidade extra deve ser levada, mesmo que não precise trocar a bolsa, pois podem acontecer imprevistos como aumento nos movimentos intestinais, e além disso, pode ocorrer a dificuldade para encontrar esses acessórios durante a viagem por todo o Brasil e em outros países, onde também podem ser mais caros.

Na viagem é importante levar material para uma troca na bagagem de mão, mantendo-o sempre acessível, pois pode acontecer algum imprevisto e ser necessário trocar a bolsa.
Ao viajar de carro, os equipamentos devem ficar na parte mais fresca, evitando a exposição do material a temperaturas elevadas, como por exemplo, no porta-malas, pois pode alterar a qualidade da placa.

Nas deslocações de avião, o material para o cuidado da ostomia deve ser levado na bagagem de mão, junto com a pessoa, pois podem ocorrer extravios de bagagem. E para evitar problemas ao passar pela alfândega ou pela inspeção de bagagem, é importante ter uma declaração do médico afirmando que precisa levar consigo equipamentos de estomia e medicamentos. Outros problemas podem ser evitados se tiver essa informação traduzida para o idioma do país que irá visitar.

É importante, antes de viajar, fazer uma refeição leve, não exagerar e não experimentar alimentos novos, para não ter problemas intestinais. E durante a viagem, também é interessante seguir essas recomendações.

Em países estrangeiros, a diarréia é muito comum em turistas, que pode ser provocada por simples mudança na água, comida ou clima. Portanto, é importante certificar-se de que é seguro beber água. Se a água não for segura também não se deve usar gelo. O consumo de água engarrafada ou fervida é aconselhável, bem como usar sempre água segura para as irrigações. Também é bom evitar frutas descascadas e vegetais crus.

Pessoas ostomizadas perdem água e minerais rapidamente quando têm diarréia, por essa razão, pode precisar de medicação para repor a perda de fluído e eletrólitos. O seu médico pode lhe dar uma receita de medicação para controlar a diarréia, que deve ser comprada no local onde mora, ou seja, antes da viagem, pois a receita pode não ser válida em outros lugares.

Antes de viajar para outro país, procure obter uma lista de médicos que falem o seu idioma e os custos das consultas.

Referências: 




quinta-feira, 5 de abril de 2012

Depoimento de Maria Rita

Acompanhe o emocionante depoimento de Maria Rita.


Minha história começou aos 11 anos de idade, com dores abdominais e diarréia com sangue. Após idas e vindas aos hospitais  e consultórios médicos (pediatra, clinico geral, entre outros), fui internada e passei por uma colonoscopia, a qual diagnosticou Retocolite Ulcerativa Inespecífica (RCUI). Então começaria minha jornada de tratamentos: medicações (corticóide, sulfas, ciclosporina, entre outros), dietas, exames periódicos, até que aos 19 anos fui internada em UTI devido ao estado de choque causado por uma hemorragia e após dois meses de internação passei pela primeira intervenção cirúrgica para retirada total do cólon e confecção de uma ¨bolsa¨ interna confeccionada com o intestino delgado e uma ileostomia temporária.
Foi muito traumático, sem nenhum preparo ou explicação, nunca tinha ouvido falar de ostomia e nem ao menos sabia o que era uma bolsa coletora! Era minha única opção para poder voltar a me alimentar, ir para casa e o melhor: seria curativa, pois RCUI acomete apenas o colón!
Ok, passado o susto inicial, fiquei por um ano ostomizada e após um ano e quatro meses, fiquei bem após a reconstrução do trânsito intestinal. Porém, após uns cinco anos voltei a apresentar problemas intestinais e dores fortíssimas e, no ano de 2000 voltei ao centro cirúrgico para uma laparotomia exploratória devido a um abscesso intestinal interno, que inclusive foi diagnosticado como tumor ovariano! Resultado: ostomizada novamente por um ano e meio.
Confesso que a idéia de ficar ostomizada não me era agradável e foi então que eu decidi procurar alguma ajuda e aceitar minha situação. Pesquisando na Internet, encontrei a Associação de Ostomizados do Estado de São Paulo (AOESP) onde fui muito bem recebida e acolhida e colocada em contato com outras pessoas, inclusive jovens com problema de saúde semelhante ao meu e outros até piores.
Desta forma começava um período de melhora para mim. Além disso, tive a oportunidade de representar o Brasil durante o II Congresso de Jovens Ostomizados ocorrido em outubro de 2001, no Canadá. Guardo boas recordações das pessoas que conheci e de tudo que aprendi.
Em 2002, fiz a reconstrução do trânsito intestinal e após 6 meses apresentei fístula enterocutânea (na barriga mesmo!) e, após várias tentativas do médico em cicatrizá-la, fui para cirurgia novamente e já avisada que poderia ficar ostomizada em definitivo. Tudo correu bem e não fiquei ostomizada, hoje tenho uma anastomose íleo-anal, mais bolsa interna em J (J -Pouch). Continuo em acompanhamento médico, que após biópsia concluiu Doença de Crohn, já passei por crises fortes da doença com estenose e crohn metastático na virilha, porém atualmente estou bem controlada com a medicação e acompanhamento ambulatorial.
Hoje posso concluir que todos esses acontecimentos me fizeram perceber que não preciso ter medo, posso viver bem, ostomizada ou não e, principalmente não sou a única e o fato de entender melhor a doença e de estar bem assistida proporciona segurança física e psicológica, o que, sem dúvida ajuda muito na recuperação de qualquer pessoa.